“O propósito torna-se a ponte do que fomos para o que seremos.” (Korn Ferry)
O conceito
O acrônimo ESG (environmental, social and governance) surgiu há mais de 15 anos e vem ganhando importância crescente, correspondendo a:
- E, Meio ambiente (environmental), relacionado ao impacto no meio ambiente, incluindo fornecedores e clientes com os quais a empresa se relaciona. Emissões de carbono (e mudanças climáticas) a partir da energia gerada/utilizada e desperdícios/descarte de materiais são exemplos de impactos negativos representativos.
- S, Social, trata o impacto sobre as pessoas afetadas pela empresa, empregados, clientes e sociedade. Cuidados com a saúde, promoção da diversidade e inclusão, relações laborais, bem como contribuição para comunidades são exemplos. Está associado aos relacionamentos e à reputação com os públicos com quem as empresas têm negócios.
- G, A governança (governance) abrange o sistema interno composto por práticas, normas e procedimentos que norteiam processos de tomada de decisão, estruturas e papéis / responsabilidades, de modo a atender às necessidades dos stakeholders (partes interessadas) e reduzir riscos (como de corrupção, por exemplo) e contribuir de forma positiva para a sociedade. A governança implica em, não somente, seguir a lei, mas também compreender seu “espírito”, como se antecipar a violações antes que elas aconteçam, ou garantir transparência e diálogo com os reguladores, em vez de tão somente apresentar relatório formais.
A importância da preservação do meio ambiente, face aos danos causados pela ação humana e particularmente pela produção de bens e serviços em inúmeros setores, tem sido objeto de atenção crescente por indivíduos, empresas e governos. Se nota uma maior conscientização dos envolvidos que passam a valorizar e investir cada vez mais em iniciativas que reduzam as emissões de carbono, por exemplo.
Associadas às questões ambientais, temos também aquelas de natureza social, buscando reduzir a desigualdade, promover a saúde e o bem estar, principalmente. O surgimento da pandemia, em 2020, bem como a maior frequência de fenômenos climáticos extremos (seca, chuva, altas temperaturas) vai deixando mais claro os riscos associados, demandando ações/reações urgentes de todos.
As empresas, em particular, têm um papel determinante, a partir de uma conscientização de que não bastam os retornos financeiros, a maximização de valor para acionistas. As consequências externas de suas atividades devem ser consideradas. A prática mostra que os investimentos em sustentabilidade e na assim chamada “responsabilidade social”, associados à definição de mecanismos de governança alinhados a essas prioridades atraem clientes, elevam a produtividade e o valor de mercado, reduzem riscos sob uma perspectiva de médio e longo prazos e contribuem para a reputação da empresa. Com isso, o que se denomina ESG vem ganhando mais e mais destaque nas agendas empresariais.
As questões ambientais têm especial importância, mas a preocupação com a dimensão social em particular também vem avançando. São aspectos que se relacionam, uma vez que o meio ambiente afeta e é afetado por pessoas, sendo estas responsáveis em grande parte pelas ações relacionadas. Trata-se de um esforço eminentemente coletivo, que envolve indivíduos, grupos, empresas e sociedades, que implica em mudanças de atitudes e comportamentos. São as escolhas de hoje que definirão o futuro.
Muitos gestores e investidores já se convenceram das vantagens de considerar os fatores ambientais, sociais e de governança de uma empresa em suas decisões. O envolvimento de forma responsável com as diversas partes interessadas – de clientes e empregados a comunidades inteiras – permite implementar iniciativas que reduzem riscos regulatórios, de reputação e operacionais, para o benefício de longo prazo de todos e mais especialmente dos acionistas.
Segundo a McKinsey, “Em todos os setores, geografias e tamanhos de empresas, as organizações têm alocado mais recursos para melhorar o ESG. Mais de 90% das empresas do S&P 500 agora publicam relatórios ESG de alguma forma, assim como aproximadamente 70% das empresas Russell 1000. Em várias jurisdições, a comunicação de elementos ESG é obrigatória ou está sob consideração ativa.”
Conforme o The Morningstar Sustainalytics Corporate ESG Survey Report 2022, “A pesquisa revelou que os profissionais de responsabilidade social (RSE) e sustentabilidade trazem amplitude e profundidade significativas de experiência para suas funções atuais e o campo parece estar crescendo. Ao mesmo tempo, essas funções estão sendo rapidamente redefinidas e expandidas pelo aumento do foco corporativo em programas, divulgação e medição ESG.”
A situação atual
Em que pese a importância de criar valor para a sobrevivência e crescimento das empresas, esta perspectiva deve ir além da geração ou maximização de lucros. Sobretudo considerando o médio e o longo prazos, o sucesso empresarial é cada vez mais dependente de uma abordagem mais ampla para o que se define como valor gerado, para acionistas, empregados, clientes e sociedade. A dita “licença social” – ou seja, a percepção das partes relacionadas de que uma empresa age de forma justa, apropriada e merecedora de confiança – deve ser devidamente considerada sob uma perspectiva estratégica, ligada à sobrevivência dos negócios (McKinsey).
As empresas podem conduzir suas estratégias e ações de maneira a entregar retornos sucessivos ao longo dos anos. No entanto, se as externalidades (efeitos secundários de atividades de empresas, relacionadas à produção e/ou consumo de produtos e/ou serviços com consequências que afetam outras partes não diretamente ligadas a seus negócios) não forem consideradas em suas previsões, suas estratégias podem não ser atingidas. Nesse contexto, as empresas devem garantir que seus negócios perdurem, com o apoio da sociedade, de maneira sustentável e ambientalmente viável. Para tal, muitas empresas estão se movendo rapidamente para realocar recursos e operar de forma diferente, enfrentando uma grande pressão para mudar (McKinsey).
Quando uma empresa determina em quais dimensões de ESG deseja atuar bem ou com excelência, está tomando decisões importantes que terão consequências mais amplas. Empresas voltadas para o futuro tomam decisões de ESG buscando adquirir uma compreensão profunda e baseada em evidências do próprio negócio e de seus efeitos potenciais mais amplos, considerando os riscos associados às suas atividades.
Tomando por base uma análise dos últimos 2 anos, que contempla o surgimento da pandemia e suas consequências que se alongam até hoje, o Fórum Econômico Mundial (WEF), publicou recentemente o relatório WEF Global Risks Report em que destaca a percepção de que os riscos sociais (erosão da coesão social, desigualdade, deterioração da saúde mental e crise de subsistência) são os que mais pioraram desde o surgimento da pandemia. Para os próximos 5 anos os riscos mais preocupantes são o social e o ambiental. O clima, em particular, em um horizonte superior a 10 anos, é a principal ameaça ao planeta com resultados negativos e até catastróficos para as pessoas, demandando ações concretas para reduzir a deterioração, sobretudo nas emissões de carbono.
Quanto à situação atual das práticas de ESG, o relatório The Morningstar Sustainalytics Corporate ESG Survey Report 2022, destaca que:
- Gerenciando atividades ESG
“Quase nove em cada dez profissionais de RSE (Responsabilidade Social e Sustentabilidade) gerenciam 50% ou mais das atividades ESG em as suas sociedades, incluindo: comunicação e divulgação (95% muito envolvidos/regularmente envolvidos), definição de metas e medição (95%), planejamento e execução do programa (94%) e classificações ou pontuações ESG (90%).”
- Estágios de Maturidade ESG
“Entre os entrevistados da pesquisa, 64% de suas empresas têm uma estratégia ESG formal; 78% identificaram questões de ESG estratégico; e 61% estabeleceram metas específicas e/ou indicadores-chave de desempenho (KPIs).”
- Lidando com desafios
“Os desafios com o impacto mais severo para os profissionais de Responsabilidade Social e Sustentabilidade (RSE) incluem: restrições de orçamento (35%); falta de recursos humanos (34%); a medição, a comunicação e a divulgação dos resultados (33%); definição de objetivos e metas (32%); e cumprimento de regulamentos ou normas (28%).”
- Enfrentando os desafios
“Os recursos mais comuns que os profissionais de RSE usam para enfrentar os desafios ESG são os consultores especializados em ESG (61%); padrões e/ou orientações ESG externas (58%); e contratações internas (46%). Menos de uma em cinco (17%) relataram o uso de financiamento sustentável para enfrentar seus desafios ESG.”
- Meio Ambiente é prioridade máxima
“Os entrevistados relatam que, quando se trata de ESG, suas organizações classificam por ordem de importância as questões ambientais (53%) que são as mais elevadas, seguidas da governança das sociedades (25%) e das questões sociais (22%).”
- Suporte para Medição e Relatórios
“A maioria dos entrevistados trabalha com provedores de serviços ESG externos para gerenciar medições ou relatórios. Aqueles que não contrataram consultores externos não percebem ou não veem a necessidade ou o valor (29%) ou não o fizeram devido a custos (22%).”
- Classificações e pontuações ESG
“Quase dois terços dos profissionais de RSE e sustentabilidade (61%) dizem que sua empresa tem uma classificação de risco ESG ou pontuação. As empresas estão usando suas pontuações principalmente para relatórios anuais de RSE/ESG (28%) e relações com investidores (27%).”
As empresas precisam ganhar continuamente a confiança das partes interessadas com base em suas ações anteriores, mas também com sua visão de médio e longo prazos, que norteiam as ações futuras. Para tanto, o destaque especial em ESG ajuda a direcionar estas ações. As empresas precisam se antecipar a questões e eventos futuros, construindo um propósito em seus modelos de negócios e demonstrando que eles beneficiam as diversas partes interessadas e a sociedade em geral.
Embora as métricas relacionadas a ESG ainda não estejam maduras, nota-se sua melhora ao longo do tempo, revelando uma tendência para a consolidação de estruturas de relatórios e divulgação ESG. Provedores privados de classificações e pontuações, como MSCI, Refinitiv, S&P Global e Sustainalytics, por sua vez, estão competindo para fornecer medidas úteis e padronizadas para refletir o desempenho em ESG.
Se percebe também uma regulamentação cada vez mais ativa com requisitos mais detalhados, demandando uma divulgação mais precisa e robusta das empresas.
As Tendências
Conforme relatório da MCSI, as principais tendências na área se concentram nas questões climáticas, como enumeramos a seguir:
- Empresas pressionam outras empresas da sua cadeia de suprimentos para reduzir a emissão de carbono;
- As emissões de carbono estão sob escrutínio público;
- Tendência de se desfazer de ativos poluidores, como carvão;
- O constante aquecimento global leva a desastres climáticos, não dando alternativas que não a redução de emissões;
- Diminuição do greenwashing, em função de maior transparência;
- Aumento da regulação;
- Rating e indicadores passam a ser usados por investidores, mídia e público em geral;
- Necessidade de alterar a produção de alimentos e hábitos alimentares para reduzir os danos climáticos e a perda de biodiversidade;
- Surgimento de novas bactérias e novos problemas de saúde;
- Constatação de que os esforços e investimentos devem considerar as populações mais vulneráveis no mundo.
ESG e propósito: comece pelo por quê
“Propósito alinha estratégia, cultura e marca” (…) “As transformações não podem ser apenas estrategicamente focadas. Elas também devem envolver o coração e o lado das pessoas do negócio.” (Forbes)
Toda empresa tem, ou deveria ter, um propósito declarado ou implícito – uma razão de ser, que a torna única, diferenciando-a das demais, uma proposta de valor que vai além do lucro. O propósito ajuda a responder à pergunta: “O que a sociedade, empregados, clientes e demais partes relacionadas perderiam se essa empresa deixasse de existir?” Não se trata aqui de produtos ou serviços de qualidade, ou da riqueza que distribui (ou compartilha). Vai além dos resultados tangíveis constantes em balanço. “O propósito âncora da organização, dando aos trabalhadores um senso de “por quê” eles fazem o que estão fazendo. O “porquê” transforma auto interesse em interesse compartilhado”. (Korn Ferry).
“Uma declaração de propósito significativa é nítida e clara. É uma declaração que articula não apenas porque você existe, mas quem e como você está fazendo uma diferença única para aqueles que você serve, para suas comunidades, para seus clientes, para suas partes interessadas. Na verdade, é uma declaração que inspira e, idealmente, transcende o tempo.”( Korn Ferry)
O propósito se traduz na preocupação constante com os aspectos humanos, do indivíduo à humanidade em geral, em uma visão contrária ao individualismo. Tem como foco o ser humano. Privilegia o bem estar, a inclusão e a igualdade, preserva o meio ambiente, leva a uma atuação ética, íntegra, que inspira confiança, que exerce poder com humildade.
Conforme destaca a Deloitte: “Acreditamos que, quando incorporado na estratégia, cultura e operações diárias da organização, o propósito realmente gera valor para a organização e suas partes interessadas. No entanto, embora haja evidências que sugiram que as organizações entendam a importância do propósito, dada a crescente ênfase na ação social de investidores e outras partes interessadas, também observamos que as organizações muitas vezes lutam com a natureza intangível do propósito. Pode ser um desafio tanto medir o propósito quanto incorporar o propósito nas principais operações de negócios – mas não fazê-lo tem custos. Corre o risco de alienar os funcionários que querem que sua organização mostre propósito, bem como os clientes que querem comprar de uma marca cujos valores se alinham com os seus. E, se o propósito é meramente falado e não vivido, pode abrir a organização a alegações de purpose washing ou green washing.”
O entendimento do propósito, facilita o alinhamento dos empregados com os objetivos das empresas, sua visão e missão. O senso de propósito disseminado ajuda a direcionar decisões e ações, de forma consistente, coerente.
Segundo a McKinsey: “Apesar desses desafios, nossa pesquisa descobriu que 70% dos funcionários disseram que seu senso de propósito é definido por seu trabalho. (…) “O resultado é que, embora as empresas e seus líderes possam ter uma grande influência sobre o propósito individual de seus funcionários, eles têm controle direto limitado sobre ele. As empresas, portanto, precisam encontrar os funcionários onde eles estão, a fim de ajudá-los a otimizar seu senso de realização do trabalho.”
De acordo com a Korn Ferry o propósito é o primeiro de 5 pilares que tem como foco as pessoas nas organizações : “Propósito é mais do que apenas as palavras em um relatório anual de ESG e Sustentabilidade. Todo mundo precisa ter um propósito próprio. Quando bem sucedido, ele está incorporado em tudo o que você faz dentro de sua organização – é uma parte da fibra, parte do porquê, parte de tudo o que você toca. Ao fazê-lo com sucesso e quando você sabe que o propósito é de propriedade de todos, você o vê refletido em como você atende seus clientes, comunidades e talentos. Com o propósito no centro, todos na organização têm um papel em vivê-lo e possuí-lo.”
Cabe às lideranças um papel especial na definição e disseminação do propósito, alinhado à estratégia e objetivos. Ao líder cabe “dar o exemplo”. Seu comportamento é um “espelho” para os demais. Alinhá-lo ao propósito é condição fundamental. Assim, o propósito se torna um agente motivador, inspirador para todos, direcionando as ações, influenciando as interações dentro e fora das empresas. O propósito deve ser comum a todos.
A discussão sobre propósito e sobre ESG deve fazer parte da pauta da alta liderança, associada ao valor estratégico, traduzida em objetivos, metas e práticas. Trata-se de uma mudança de mindset, onde se privilegiam princípios e valores que têm como foco o ser humano para a condução dos negócios, em benefício de todos.
As organizações em geral orientadas pelo propósito têm como prioridade a geração de valor sustentável, considerando dimensões que vão além das meramente financeiras, que colocam as pessoas (indivíduos, grupos e sociedade) realmente no centro, demonstrando de forma clara e transparente através de políticas e de ações seus compromissos duradouros, “olhando para o futuro”.