“A imperfeição, a falta de controle, a ansiedade pelo futuro, o medo da doença, da morte, da perda do trabalho, as dificuldades para se adaptar às novas formas de trabalhar, estudar, consumir, se relacionar. Enfim, toda esta profusão de sentimentos e emoções, colocou as lideranças frente às seguintes questões: estávamos preparados para lidar com esta nova realidade? Temos as competências necessárias?” (MIT Sloan Management Review ).
O Contexto
Vivemos em um mundo turbulento, de grande incerteza, onde as mudanças são constantes, cada vez mais imprevisíveis e onde a tecnologia, que impulsiona a inovação, tem um papel de destaque. Este cenário impõe desafios crescentes nas vidas pessoais e profissionais de todos, resultando muitas vezes em efeitos negativos sobre as pessoas, sua saúde e bem estar. A pandemia, em particular, ressaltou o medo, as fragilidades, a imprevisibilidade e a vulnerabilidade.
Nesse contexto, a complexidade é um fator a ser entendido e enfrentado. Para ter sucesso, os líderes têm um papel de destaque. A importância da liderança é reconhecida há muito tempo. É um dos temas mais estudados e objeto de inúmeras publicações. Do líder tudo se espera: que inspire, que influencie, que use sua autoridade de forma legítima, que dê o exemplo, que apoie os demais, que coloque as pessoas em primeiro lugar, que seja inclusivo e autêntico, que domine habilidades sociais, dentre tantas outras demandas complexas, que parecem impossíveis de atender por um ser humano, que como os demais não é perfeito. Parece algo talhado para alguém com “superpoderes”, como na ficção.
Um aspecto importante, no caso da liderança, é a compreensão que a posição abrange diversos níveis hierárquicos, de supervisores e outras lideranças intermediárias, até a alta direção e finalmente o CEO. Cada um desses níveis tem características próprias, papéis e responsabilidades diferentes, que demandam perfis e competências diferentes e, portanto, abordagens específicas. Por exemplo, há os líderes que têm mais contato direto com os empregados (como os supervisores, por exemplo). São os mais aptos a entender melhor o nível individual, mas por outro lado os de papel menos estratégico, menos envolvido na tomada de decisão, usualmente mais voltado para uma postura de “comando e controle”. Já o CEO, sobretudo em organizações de porte, tem contato limitado (mas não deveria) com os colaboradores, mas tem mais poder para definir estratégia e objetivos e afetar a vida dos demais, exercendo influência.
Humildade, vulnerabilidade, autenticidade e transparência (dentre outras) são necessárias à liderança, mas estão entre as características mais desafiadoras, principalmente porque podem ser vistas como demonstração de fraqueza e consequente redução de poder.
Dada a complexidade do tema, procuraremos aqui apontar alguns aspectos de maior importância que subsidiem uma reflexão, ponto de partida para o aprendizado e a melhoria, na direção de lideranças que efetivamente entendam seu papel e ajam de acordo, com a consciência de sua importância e capacidade de influenciar (positiva e negativamente) as vidas daqueles que lideram.
Por mais paradoxal que seja, precisamos destacar que o líder deve “gostar de gente”. É um conceito amplo. Basicamente, um chamado à reflexão, sobretudo quando inúmeras pesquisas constatam a insatisfação crescente com as lideranças. O líder, como todo os demais, sempre tem a opção de ser o que deseja ser. Pode não ser fácil, mas é possível e desejável. A esta liderança que entende o que é realmente “ser humano” (aquele ser imprevisível, instável, muitas vezes dominado por emoções e sentimentos), que se comporta como tal em relação a si e aos outros, também “humanos”, denominamos “liderança humanizada”, que se importa e cuida. Segundo o Gallup, “líderes que cuidam não tentam automatizar os humanos – eles investem em seu sucesso”.
A partir destas características de destaque podemos enumerar o que denominamos “pilares da liderança”: propósito, autoconhecimento e empatia. Para que estes se efetivem é fundamental criar as condições, desenvolver o que consideramos como habilitadores principais da liderança, dos quais destacamos dois: adaptabilidade e aprendizado.
Pilares da Liderança
“Se os últimos 18 meses nos ensinaram alguma coisa, é que os funcionários anseiam por investimentos nos aspectos humanos do trabalho. Os empregados estão cansados, e muitos estão de luto. Eles querem um senso de propósito renovado e revisado em seu trabalho. Eles querem conexões sociais e interpessoais com seus colegas e gestores. Eles querem sentir um senso de identidade compartilhada. Sim, eles querem salários, benefícios e vantagens, mas mais do que isso eles querem se sentir valorizados por suas organizações e gerentes. Eles querem interações significativas — embora não necessariamente presenciais — não apenas transações.” (McKinsey )
Propósito
Ter um propósito (ou um senso de propósito), e acreditar nele, é fundamental para o líder. É o que atribui significado e direciona suas ações e dos demais. Vai além de definir estratégias, objetivos e métricas. Precisa ser claro e compartilhado. O propósito traz enorme impacto e une as pessoas. Gera confiança. Tudo deve estar alinhado e ser coerente com o propósito. Que inspira, motiva, faz caminhar, melhorar e inovar.
De acordo com Jacob Morgan (www.thefutureorganization.com), tomando por base entrevista com Hubert Joly, ex CEO da empresa Best Buy, o que separa líderes bem sucedidos dos medíocres é o senso de propósito, que entendem suas pessoas e o que as move, que “olham” além deles mesmos para servir aos demais. São destacados cinco aspectos do líder com propósito:
- Seja claro sobre seu propósito como humano. Quais são seus objetivos? O que você representa? Defina seu propósito e fale sobre isso com outras pessoas. Compartilhar seus objetivos e valores constrói conexões e confiança.
- Seja claro sobre quem você serve. Líderes com propósito não agem por interesse próprio. Em vez disso, servem outras pessoas. Eles sabem que seu trabalho é fazer outras pessoas mais bem sucedidas do que eles.
- Seja claro sobre seu papel. Como líder, seu trabalho não é ser a pessoa mais inteligente ou capaz da sala. Seu papel final é criar um ambiente onde as pessoas possam prosperar e ter sucesso.
- Seja um líder orientado por valor. Líderes com propósito fazem a coisa certa e agem com integridade. Seus valores guiam suas ações e constroem confiança.
- Seja um líder autêntico. Os melhores líderes são autênticos e genuínos. Eles não agem de um jeito em casa e de outra maneira no trabalho, mas trazem todo o seu eu para o trabalho. Ser autêntico requer vulnerabilidade e humildade e mostrar seu verdadeiro eu humano.
O propósito, associado à empatia, que trataremos a seguir, ajuda também apromover a diversidade, a inclusão e a igualdade, que são cada vez mais importantes para o sucesso das organizações, facilitando a inovação e o aprendizado, por exemplo, permitindo que se valorize e respeite a todos, sem exceção, considerando as características individuais que, em um grupo, se somam, se complementam.
Autoconhecimento
Todo indivíduo tem uma dimensão interna (suas características próprias, individuais) e uma externa (o contexto, o ambiente em que está inserido, que o influencia em sua vida pessoal e profissional). As duas se associam para finalmente “definir” cada uma. Quando se trata de pessoas, é importante entender ambas e como se relacionam para produzir efeitos (desejados e indesejados). Não há um indivíduo igual ao outro. Somos diversos por natureza. Entender esta natureza individual é importante, sobretudo pela liderança, em uma realidade em que conhecer e valorizar cada indivíduo faz diferença. Começa pelo autoconhecimento.
O autoconhecimento é apontado como importante em diversos contextos. Compreender nossas capacidades e também nossos limites, nossos preconceitos (por exemplo). Na inteligência emocional (conceito lançado por Daniel Goleman) se destacam: conhecer as próprias emoções e como controlá-las. Depende de como nos enxergamos e de como os outros nos enxergam. Sem nos conhecermos (ou tentemos, pois o conhecimento pleno é provavelmente impossível), não estaremos aptos a entender o que precisamos mudar, a aprender a melhorar, sobretudo para manter relacionamentos (saudáveis) com os demais, característica imprescindível dos líderes.
Além disso, é importante destacar que cabe ao líder dar o exemplo. Este é um dos aspectos mais importantes no desempenho de seu papel. Seu comportamento, suas ações, são modelo para os demais, que tendem a reproduzi-las. São um verdadeiro espelho. Isto demanda do líder uma atenção constante ao que faz (de forma coerente com o que fala, no que se costuma chamar “walk the talk”), ao que fala e também ao que ouve (de forma atenta, aberta, legítima, humilde). O autoconhecimento contribui na medida em que, quando nos conhecemos melhor, podemos promover as mudanças necessárias na forma como nos comportamos.
Empatia
Genericamente, entende-se por empatia a capacidade de “se colocar no lugar do outro”, de se importar, de “sentir o que o outro sente”. Para tanto, é necessário perceber o outro, interpretando (como possível) o que percebe ou “o que vê” e, a partir daí, tirar conclusões, na busca de um entendimento comum, compartilhado, alinhado.
A empatia facilita o desenvolvimento das conexões, dos relacionamentos interpessoais, dos quais todos dependemos, sobretudo aqueles em posição de liderança. A criação e manutenção de conexões demanda esforço e foco constante. Comunicação e colaboração são aspectos associados, assim como a transparência. Mas não basta criar conexões ou estabelecer relacionamentos. Para serem “de qualidade” (e contribuírem para cada um e para o grupo), precisam ser baseados em confiança mútua sobretudo, em humildade, em relações mais igualitárias e não em controle.
Para criar conexões, devemos “aprender a enxergar”, a vencer nossas limitações, preconceitos, vieses, e procurar realmente “ver” o que acontece conosco e a nossa volta. Líderes que entendem as necessidades e os sentimentos de seus liderados podem criar relações mais significativas com eles melhorando os resultados dos negócios.
Como ser um líder melhor ?
“Quando as pessoas perdem a confiança nos líderes, suas decisões são pautadas por suspeita e suas ações por interesse próprio. As empresas ficam mais vulneráveis à medida que menos funcionários são motivados a agir por um bem maior.” ( Gallup )
Os princípios aqui apresentados são direcionadores da liderança. Mas, para que sejam bem sucedidos, os líderes devem criar as condições que servem de habilitadoras das ações, compondo com os princípios. Dentre as inúmeras condições habilitadoras, destacamos a adaptabilidade e o aprendizado, que estão correlacionados entre si para produzir os resultados desejados.
A mudança, como já destacamos aqui, é uma constante na atualidade e provavelmente se tornará mais rápida e desafiadora, criando incerteza e impondo a necessidade permanente de desenvolver a capacidade de se adaptar, para sobreviver e se desenvolver. Para ter sucesso na mudança, é preciso, primeiramente, ter consciência e desejar mudar. A isto se associa a implementação das condições para a mudança (como o desenvolvimento de competências) e o foco permanente na sustentação da mudança.
O segundo habilitador, muito presente atualmente, é a necessidade de aprendizado constante. As mudanças, sobretudo derivadas do avanço tecnológico, impõem aos indivíduos que aprendam continuamente. Mudam as competências, mais rapidamente e na direção de maior complexidade. É um desafio enorme. Está associado ao que Carol Dweck ( em seu livro Mindset ) denomina de mindset de crescimento, em oposição ao mindset fixo.
Ambos, adaptabilidade e aprendizado, são temas complexos, que demandam atenção e estudo constante, bem como esforço e foco de todos, mas especialmente dos líderes. Precisam ser desenvolvidos de forma alinhada com as necessidades do momento, que variam. É difícil, complexo, desafiador. Mas não há alternativa.
Para superar tantos desafios, a liderança deve sempre buscar melhorar sob todos os aspectos. É preciso ter um desejo real de colocar “as pessoas no centro”, começando por si mesmo. E colocar em prática. Falar e fazer, de forma alinhada. A ação deve ser precedida de reflexão, de criação de condições, de mudanças no líder, que o capacitem a melhor lidar com pessoas e apoiar, servir, de forma autêntica, sincera.
Além disso, é necessária uma conscientização de que os seres humanos são movidos pela razão, mas sobretudo pela emoção. De acordo com o Gallup, “as pessoas sabem – e podem descrever com precisão – como suas vidas estão indo. E elas tomam decisões baseadas em seus sentimentos e crenças. Isto torna imperativo quantificar e entender como as pessoas se sentem”.
O líder está constantemente em uma posição que impacta os demais. Positivamente ou negativamente, pode ser uma questão de escolha. É necessário sempre buscar o equilíbrio. Equilíbrio entre pessoas e resultados, entre poder e humildade, entre contexto/organização/grupo/eu/outro.
Associado aos princípios que relacionamos aqui, é importante mencionar o conceito de segurança psicológica, fundamental para a compreensão do papel da liderança.
Conforme definição do “Center for Creative Leadership”, segurança psicológica é uma crença compartilhada que aqueles que falarem, manifestarem opinião, idéias, preocupações ou erros, não serão punidos ou humilhados. Nesse contexto, são destacados quatro estágios : segurança de inclusão (sentimento de pertencimento), segurança de aprender (a partir de perguntas, dar e receber feedback, experimentar e errar), segurança para contribuir (usar as competências em prol de um propósito) e segurança para desafiar (satisfazendo a necessidade de desafiar o status quo, para melhorar constantemente). Cabe aos líderes adotar a segurança psicológica como prioridade número 1. Facilitar que todos possam falar livremente. Dar espaço para novas ideias e aceitar o erro, pré-requisitos para a inovação. Para falar abertamente, precisa que se sinta incluído, aceito e seguro. Para tanto, a liderança deve estar comprometida em criar as condições, como uma cultura de respeito. Começa pelo próprio líder que deve ouvir atentamente e ser autêntico.
Segundo Amy Edmondson (professora da universidade de Harvard e autora do livro “As organizações sem medo”), em entrevista à Revista HSM Management, número 153, julho-agosto de 2022: “acho que é justo definir coragem como a disposição para agir mesmo quando você está com medo. E você não precisaria de coragem se tivesse uma organização sem medo. A organização sem medo é uma aspiração, não uma realidade. Ela descreve uma organização mítica, na qual você não precisaria ter coragem, porque pareceria fácil falar francamente sobre suas preocupações, suas observações, suas idéias. É uma inspiração improvável de se tornar realidade, por conta da natureza humana.”
Por fim, o líder deve ter consciência de que no mundo e especialmente nas organizações estamos inseridos em um ambiente maior, composto por partes interconectadas que produzem relações de causa e efeito entre si, as quais, para produzirem o que se espera em determinada organização, grupo, ou mesmo indivíduo, devem ser consistentes, alinhadas e equilibradas.