“Mesmo que se torne cada vez mais urgente que as empresas criem vantagem competitiva por meio da transformação, cada vez mais elas estão encontrando dificuldades para fazer. Pesquisas mostram que até 75% dos programas de mudança organizacional não conseguem capturar valor a longo prazo. A Forbes estimou que foram perdidos US$ 900 bilhões em criações de transformação digital em 2018. Um resultado de tais falhas pode ser visto em uma pesquisa da BCG, que descobriu que pouco mais de 50% das empresas da Fortune 500 de 2000 haviam falido, sido compradas ou tinham fechado até 2017.” (BCG)
A mudança é cada vez mais constante, acelerada e complexa, impondo desafios a indivíduos e organizações. As múltiplas iniciativas que são implementadas – com inúmeros objetivos – provocam mudanças das mais diversas características. A tecnologia tem sido um fator indutor destas mudanças, com importância crescente e impactos diferentes, na medida em que é usada em maior escala e evolui, provocando mudanças cada vez mais rápidas e profundas nas atividades e nos modelos de negócios.
Não se trata de tarefa fácil. A mudança começa pelo ser humano, que tende a resistir à mudança, dada a incerteza associada ao perigo/ameaça e medo (pode-se definir a resistência como qualquer ação que retarde, se oponha ou obstrua a mudança). O mesmo acontece com as organizações, que buscam segurança e estabilidade, sobretudo aquelas mais maduras. Neste contexto, mesmo quando se reconhece a necessidade de mudar, a transformação encontra obstáculos.
Para ter sucesso na mudança organizacional, é preciso superar as barreiras individuais e organizacionais. A mudança começa pelo indivíduo. Este precisa ser persuadido a aceitar e capacitado a executar o que se pretende. Deve entender os objetivos, o que vai mudar e o caminho a ser percorrido. Por outro lado, a organização, em suas diversas dimensões (processos, tecnologia, cultura, estrutura, estratégia, por exemplo) deve se adequar, criando o que se denomina de capacidades organizacionais.
Já em um artigo de 2003, a McKinsey destacava que “Nos últimos 15 anos, programas para melhorar o desempenho organizacional corporativo tornaram-se cada vez mais comuns. No entanto, eles são notoriamente difíceis de realizar. O sucesso depende de persuadir centenas ou milhares de grupos e indivíduos a mudar a maneira como trabalham, uma transformação que as pessoas só aceitarão se puderem ser convencidas a pensar diferente sobre seus trabalhos. Com efeito, os CEOs devem alterar os modelos mentais de seus funcionários — não é uma tarefa fácil.”
Neste contexto, apesar do reconhecimento crescente de que é necessário tratar a mudança individual e organizacional com atenção, de forma disciplinada e com os recursos necessários, ainda são muitos os relatos de fracasso.
A deficiência em identificar e tratar a resistência à mudança o mais cedo possível é um dos principais fatores que podem comprometer o sucesso. Alguns outros motivos que podem comprometer a mudança são a falta de alinhamento da liderança, deficiências de planejamento e a falta de cuidado com as pessoas. Uma avaliação precisa das mudanças necessárias na Cultura Organizacional é também um aspecto que merece muita atenção, visto que muitas vezes será preciso adaptar a cultura existente.
Segundo a McKinsey, “claramente, há algo aqui que gerentes e executivos estão falhando em entender. A diferença, muitas vezes, é não reconhecer as práticas de gestão de mudanças necessárias para influenciar a Mudança de Cultura que vem da Mudança Organizacional. A cultura de uma empresa é construída em torno de seu modus operandi, que consiste em processos, procedimentos e tecnologias. As organizações e seus membros não estão apenas orgulhosos de seus produtos, mas também das maneiras com que os criam.”
Apesar de todas as dificuldades, se constata que pessoas e empresas são capazes de mudar de forma bem sucedida, inovando, aprendendo e implantando novas práticas e modelos de negócio. No entanto, não se pode subestimar os obstáculos à mudança. O sucesso depende do entendimento das dificuldades relacionadas à mudança individual (misto de razão e emoção, características do ser humano), organizacional e das ações tomadas para enfrentá-las, criando uma capacidade para mudar. Demanda atenção, foco, tempo, recursos e sobretudo comprometimento da liderança para fundamentalmente mudar ou adaptar comportamentos e práticas. Empresas (e pessoas) que estão mais acostumadas a mudar, se alteram mais rápido, pois desenvolvem a capacidade técnica e humana de transformação. Para tratar as dificuldades em mudar e efetivamente ter sucesso nas iniciativas, há diferentes propostas de abordagens.
Abordagens principais:
existem inúmeras propostas de tratar a mudança de uma forma disciplinada, estruturada, sistematizada, destacando pontos relevantes para a sua implementação. Apresentaremos a seguir, de forma bem resumida, algumas das que julgamos mais relevantes. Sugerimos a leitura posterior dos trabalhos completos.
1 – Kotter (John)
Em um trabalho pioneiro, “Leading Change”, livro publicado pela primeira vez em 1996, John Kotter, um dos principais autores nesta área, define os “8 passos para a mudança”, sintetizados na figura que se segue obtida a partir de pesquisa na internet.
Em um segundo trabalho, este mais recente (Change: How Organizations Achieve Hard-to-imagine Results in Uncertain and Volatile Times), John Kotter destaca que o que denomina princípios da mudança
1. Ter que + querer que
“se sentem incluídas em uma oportunidade estimulante com ajuda para criar mudança em adição a suas responsabilidades normais, criando uma experiência emocionalmente positiva que ajuda a mobilizar ação com significado”
2. Cabeça + coração
“construir buy-in somente a partir de um business case analítico é desafiador. Se você consegue engajar as emoções das pessoas e dar maior significado ao seu esforço, resultados extraordinários são possíveis”
3. Gerência + liderança
“A fim de capitalizar a janela de oportunidade, liderança é de suprema importância – e não somente para o executivo. É sobre visão, ação, inovação, celebração, bem como processos gerenciais essenciais.”
4. Selecione poucos + diversifique muito
“Mais pessoas precisam estar aptas a fazer a mudança acontecer – não somente atingir objetivos de outros. Feito corretamente, isso revela líderes em todos os níveis da organização, liberando o poder das massas.”
Segundo Kotter, a mudança depende muito da liderança (segundo o autor “é mais um exercício de liderança” do que de planejamento, hierarquia e controle) e o seu sucesso está relacionado a mudar processos e princípios das organizações e a própria maneira como as pessoas reagem à mudança. A estratégia sozinha não induz mudança. É necessário transparência e engajamento desde o início.
2 – Adkar
Uma abordagem apresentada em publicação de Jeffrey M. Hiatt (ADKAR : Um modelo para mudança em negócios, governo e em nossa comunidade), baseada em duas dimensões: de negócio e individual.
A dimensão de negócio é composta de: necessidade de negócio/oportunidade, conceituação e projeto, criação do plano (escopo e objetivo), implementação e pós implementação.
Sob o ponto de vista individual, para a organização mudar com sucesso, os indivíduos precisam mudar, sendo necessário:
A – awareness (consciência): da necessidade da mudança;
D – desire (desejo): de participar e apoiar a mudança;
K – knowledge (conhecimento): em como mudar;
A – ability (habilidade): para demonstrar novas capacidades e comportamentos;
R – reinforcement (reforço): para sustentar a mudança.
Este último aspecto, especialmente, coincide com a recomendação de Kotter. O trabalho de mudança não se conclui com sua implementação, ao final de uma iniciativa, por exemplo. O que se constata na prática, sobretudo nas mudanças com maior impacto, mais complexas, é a necessidade permanente de manter o foco, de acompanhar, de produzir ações de reforço, que mitiguem o risco de um retrocesso à situação anterior. É comum as organizações não direcionarem os esforços necessários para tal.
3 – Prontidão para a mudança
Um aspecto importante, não muito comentado, é o que se denomina prontidão para a mudança, considerado como um precursor da resistência ou do apoio à mudança. A prontidão ajuda a entender o comportamento dos indivíduos frente à mudança. O desenvolvimento da prontidão seria assim uma primeira etapa da mudança, relacionada à preparação dos envolvidos. Na sequência teríamos a implementação (ou adoção) e a institucionalização da mudança (esforços para manter e internalizar a mudança).
Em trabalho acadêmico de 1999, Armenakis e outros autores, (Armenakis, A.A. , Harris, S.G. and Field, H., 1999 , “Making change permanent: a model for institutionalizing change”, in Pasmore, W. and Woodman, R. [Eds], Research in Organization Change and Development, Volume XII, JAI Press, Greenwich, CT, pp. 97-128), propuseram uma abordagem para criar prontidão para a mudança, a partir de cinco componentes da mensagem comunicado pelos membros da equipe aos funcionários: discrepância, eficácia, adequação, apoio principal e valência pessoal. Posteriormente, Armenakis e Harris (2002 e 2009) realizaram estudos abordando os componentes da mensagem (ou domínios), enfatizando algumas características: (a) discrepância – a necessidade de mudança, abordando o sentimento sobre a necessidade de mudança, ou seja, o quanto o desempenho atual da organização é diferente do desejado; (b) eficácia – a capacidade de mudar com sucesso e a confiança na capacidade de mudar (Armenakis e Harris, 2002); (c) adequação – reconhecimento de que a mudança desejada é correta para a organização. (Armenakis e Harris, 2002); (d) suporte da liderança – os líderes devem estar comprometidos em mudar o sucesso. Eles são responsáveis por tomar medidas para convencer os beneficiários da mudança sobre os méritos da mudança [Armenakis e Harris, 2009]; (e) valência pessoal (benefício pessoal)- os beneficiários da mudança avaliam os resultados positivos e negativos para si mesmos, a equidade da mudança e a forma como os indivíduos são tratados (Armenakis e Harris, 2009). Nesse contexto, o que se define como “as três fases da mudança” (prontidão, adoção e institucionalização) são positivamente afetadas pela mensagem de mudança, que ajuda na coordenação das três fases. Cabe ressaltar que os sentimentos resultantes da mensagem podem ser positivos (compromisso com a mudança) ou negativos (resistência).
A relevância da mensagem, destaca a importância da comunicação, que também é objeto de estudo em outros trabalhos. Kotter, em seu livro “Change : How Organizations Achieve Hard-to-imagine Results in Uncertain and Volatile Times”, aponta que o processo de comunicação eficiente atinge os lados racional e emocional dos envolvidos, contribuindo para o buy-in, para inspirar e mobilizar, que deve ser uma tarefa diária, altamente dependente da liderança.
4 – Lean Change Management (por Jason Little e Patric Verdonk)
Baseada nos conceitos de “Lean Startup” ( publicados em “The Lean Startup”, por Eric Ries ), a proposta define o “ciclo de vida da mudança”, como um modelo de gestão da mudança, não linear, baseado em feedback, abrangendo as etapas de etapas : coletar insights, opções e experimentos.
Na coleta de insights são obtidos e analisados dados (seguindo métodos diversos), via pesquisas e avaliações, por exemplo, para, a partir daí, definir e avaliar opções. Completa a avaliação, as opções são classificadas de modo a definir qual ou quais serão escolhidas e quando serão implementadas. A partir daí, começa a surgir o plano de mudanças, iniciando-se então a etapa de experimentação (composto por um ciclo de preparação, introdução e revisão).
5 – Consultoria McKinsey
Dentre diversas publicações sobre o tema, destacamos artigo de 2016, em que a Mckinsey aponta que “Tanto na pesquisa quanto na prática, constatamos que as transformações têm a melhor chance de sucesso quando se concentram em quatro ações fundamentais para mudar mentes e comportamentos: fomentar a compreensão e a convicção, reforçar mudanças através de mecanismos formais, desenvolver talentos e habilidades e modelar. Coletivamente rotulado como “modelo de influência (…)”, se compõe de 4 blocos: modelar papéis, fomentar a compreensão e convicção, desenvolver talentos e habilidades, reforçar com mecanismos formais.
As pessoas como fator crítico de sucesso:
dentre os diversos fatores que contribuem para o sucesso da mudança, certamente as pessoas, os indivíduos envolvidos e/ou afetados, são o fator de maior importância. Não há iniciativa organizacional que não dependa de pessoas, desde a concepção da iniciativa, passando pela implementação e operação propriamente dita, envolvendo todos os níveis da organização. A mudança organizacional depende da mudança individual.
No caso da mudança, como destaca o BCG : “Nossa experiência nos mostrou que os esforços de transformação bem-sucedidos colocam os colaboradores no centro: sua capacidade de absorver mudanças torna-se o gargalo que precisa ser gerenciado. No entanto, novas pesquisas globais que realizamos em mais de 1.000 empresas indicam que as transformações, em geral, prestam pouca ou nenhuma atenção à jornada das pessoas — ou seja, para garantir que as iniciativas de mudança sejam implementadas de forma centrada nos funcionários.”
Dentre aqueles envolvidos na mudança organizacional, a liderança tem o papel principal. Conforme a Forbes, a gestão da mudança é a competência mais crítica da liderança. O líder deve primeiramente ter consciência do que acontece, da necessidade de mudar, liderar sem tomar por base autoridade, mas sim com empatia, definir o mapa (o caminho), estimular o comprometimento e o entusiasmo, comunicar a mensagem. Na medida em que há uma necessidade crescente de mudar, demanda-se dos líderes as competências para tal, ajudando os demais durante o processo. Para tanto, uma relação de confiança entre as partes é um requisito fundamental.
Segundo o BCG, “Para permitir que os líderes de transformação entendam melhor a capacidade organizacional e individual de liderança de mudanças para que possam tomar medidas para melhorá-la, sugerimos a coleta de informações de pares, superiores e relatórios diretos dos líderes, bem como de autoavaliações, para criar uma visão abrangente da liderança em uma organização. Isso permite que o Chief Transformation Officer trabalhe com a equipe de liderança para :
- determinar os pontos fortes e limitações gerais de liderança de mudança;
- avaliar o comportamento dos líderes individuais e as lacunas entre comportamentos atuais e potenciais;
- identificar campeões de mudança em toda a empresa;
- desenvolver estratégias para alavancar forças de liderança;
- criar planos de ação para resolver lacunas entre comportamentos de liderança atuais e desejados.”
O ciclo da mudança organizacional : os “5 As” da mudança
Considerando a análise das diversas abordagens existentes e a experiência pessoal oriunda de uma jornada de ação/reflexão/aprendizado, propomos um ciclo de mudança, que denominamos de “os 5 As da mudança”, que se inicia pela identificação da necessidade de mudar :
– Auto-conhecimento: a mudança provoca incerteza, pode ser vista como uma ameaça, levando à resistência. Conhecer a si mesmo, ter consciência de seus pontos fortes e fracos, é o primeiro passo para a mudança. Como mudar, se não tivermos consciência de nossas características pessoais (sobretudo as comportamentais, aquelas ligadas às nossas emoções, que precisam ser geridas). Também merecem destaque a capacidade de se relacionar (de desenvolver relações interpessoais) e de aprender. A partir daí, pode-se traçar um caminho para efetivamente mudar. Demanda-se, sobretudo dos líderes, não apenas para atingir mudanças bem sucedidas, o esforço contínuo de autoconhecimento, cultivando a autorreflexão e constante avaliação de si mesmo, o aprendizado, o foco em melhorar. Para tanto, o ponto de partida é buscar um mindset de crescimento ( como definido por Carol Dweck, em seu livro Mindset ).
– Abrangência: toda mudança deve ter um objetivo claro, que definirá a sua abrangência, ou seja, o que se deseja mudar, definindo impacto e alcance da mudança e direcionando o caminho. Pode parecer óbvio, mas a experiência mostra que muitas vezes os líderes não percebem o quão importante é a definição clara e precisa deste objetivo que seja entendida logo de início por todos os envolvidos. Idealmente, deve-se buscar o envolvimento de mais pessoas na definição destes objetivos, o que ajuda a criar apoio e comprometimento desde o início. Dúvidas sobre o objetivo elevam a incerteza. Visão e estratégia são direcionadores dos objetivos. Deve-se também avaliar a capacidade da organização de mudar, sua maturidade, fruto do aprendizado baseado na experiência prática e no conhecimento.
– Alinhamento: desde o início deve-se buscar o alinhamento dos envolvidos (sobretudo das lideranças em seus diversos níveis), desenvolvendo a consciência para a necessidade de mudar, destacando seus benefícios, em busca do comprometimento efetivo de todos.
– Ação: nesta etapa se planeja e implementa a mudança, criando as condições organizacionais que são habilitadoras da mudança. A mudança é uma iniciativa que deve ser conduzida com foco e disciplina/método, com os recursos e a gestão adequada. Depende da capacidade de execução. É necessária uma avaliação prévia (e ampla) do estado atual, associada à avaliação dos impactos para atingir o estado alvo. Merece especial atenção, nesta etapa, o desenvolvimento de competências individuais, que permitirão aos indivíduos efetivamente mudar. É necessário destaque também aos incentivos à mudança. As ações devem abranger o “pós-mudança”, a etapa de sustentação e institucionalização da mudança. Sem ações de sustentação permanentes há grande risco da mudança, com o tempo, se enfraquecer.
– Aprendizado: por fim, da ação deve surgir a reflexão, a constante avaliação dos resultados organizacionais e humanos, que permite a correção de rumo, a melhoria contínua. É tarefa de todos.
A figura 1 que se segue ilustra o ciclo da mudança, descrito anteriormente, ao qual denominamos os “ 5 As da mudança”.
A capacidade de mudar é competência individual essencial, mas especialmente da liderança, que deve servir de exemplo com seu comportamento. Mais uma vez, cabe ressaltar que só é possível mudar em um ambiente de confiança, de respeito, de segurança psicológica. Cabe à liderança, com uma postura humilde, de escuta ativa, promover as condições para a mudança, conduzir e se comprometer com o processo por todo o tempo. Mas não é tarefa de um indivíduo somente. Não há mudança sem liderança!
Referências de artigos:
Armenakis, A.A. and Harris, S.G. (2002), “Crafting a change message to create transformational readiness”, Journal of Organizational Change Management, Vol. 15 No. 2, pp. 169-183.
Armenakis, A.A. and Harris, S.G. (2009), “Reflections: our journey in organizational change research and practice”, Journal of Change Management, Vol. 9 No. 2, pp. 127-142.