Post escrito por Alberto Wajzenberg – Gestor do Setor de Energia.
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Antes da pandemia as empresas e pessoas, empregadas ou não, já enfrentavam desafios crescentes. Competição acirrada, mudança acelerada, necessidade de maior agilidade, transformação digital, dentre outros, eram e permanecem como desafios até o momento. Sobretudo pela digitalização crescente, novas competências são requeridas, demandando um aprendizado constante.
A pandemia impôs uma mudança de natureza radical, em um cenário de muita incerteza e medo, com foco nas questões de saúde. Subitamente, países, empresas e indivíduos tiveram de se adaptar, em um cenário de dor e medo do desconhecido. A agilidade nesta adaptação e a capacidade de inovar foram e são diferenciais de sucesso. Fala-se hoje no mundo BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível), expressão muito apropriada.
Dentre as mudanças súbitas, ocorreu uma adoção generalizada do home office em função da necessidade de isolamento social para reduzir riscos de contaminação. Esta prática já existia, mas restrita a algumas ocupações e organizações. O que se viu então foi um cenário diferente onde o trabalho em casa não era uma opção, mas sim um imperativo. Além disso, não somente trabalhadores, mas outras pessoas também foram obrigadas a permanecer em casa, sob restrições, o que criou um ambiente novo e desafiador, jamais experimentado.
De alguma forma, ocorreu uma adaptação rápida e forçada, viabilizada pelo uso intenso de digitalização, o que permitiu que se mantivessem as operações das empresas sem rupturas significativas. Do lado pessoal, também se impuseram adaptações. Sob o ponto de vista do trabalho, o tempo mostrou que se podia desempenhar grande parte das tarefas fora do escritório, mantendo o nível de produtividade (e mesmo aumentando) e atingindo os objetivos e metas organizacionais. As empresas tiveram seus custos com infraestrutura de escritórios reduzidos.
Do lado dos indivíduos, a eliminação do tempo gasto com deslocamento permitiu um maior equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, mais flexibilidade e mais autonomia. Novas oportunidades de trabalho também aparecem quando não há a obrigação da presença física. Adaptações foram implementadas nas rotinas familiares e nos sistemas de gestão das empresas, sobretudo em práticas de colaboração, feedback, monitoramento e recompensa, antes concebidas para um trabalho predominantemente presencial.
Mas não se verificaram somente ganhos. Também existem efeitos negativos relevantes, como sobrecarga de trabalho, “exaustão digital” e esgotamento emocional, que se somam àqueles originados da dificuldade de estabelecer e manter relações interpessoais de forma não presencial, como: maior separação entre as equipes, menor colaboração, dificuldades de aprendizado e inovação, dificuldades de liderança pelas restrições de comunicação, dentre outras.
Este novo ambiente levou a uma reflexão da relação com o trabalho, motivado pelo trabalho remoto. Aspectos como autonomia, satisfação, equilíbrio da vida pessoal, saúde aparecem com mais intensidade. Hoje, com o arrefecimento da pandemia, uma das questões que se coloca de pronto é a do retorno ao trabalho no seu local físico, motivado principalmente por pressões dos empregados, sobretudo os mais jovens (geração Z) que viram vantagens no trabalho remoto e passaram a pleitear a possibilidade de arranjos mais flexíveis.
Pelo lado das empresas, a pressão dos empregados que percebem vantagens no trabalho remoto se associa à constatação de que se pode operar com custos menores sem perdas para o negócio, bem como possibilita um acesso facilitado a talentos em outras localidades. Com isto, muitas estão implementando o trabalho remoto para um grande conjunto de tarefas, ou mesmo para todas em diferentes abordagens. Tal movimento das empresas se mostra muito heterogêneo. Pesquisas revelam que, dependendo do país, e sobretudo da infraestrutura disponível nas residências para viabilizar o trabalho remoto, de 20% a 40% das funções podem ser desempenhadas remotamente.
Apesar dos benefícios, implementar o trabalho flexível ou híbrido (combinando físico e remoto) de forma generalizada, não é simples. Não há uma única solução que atenda a todos, sejam indivíduos (empregados) ou empresas. São inúmeros os desafios. Estamos ainda no início de um novo ciclo de mudança, onde a atenção ao aprendizado é fundamental. Some-se a isto a necessidade ainda presente de garantir a segurança e a saúde dos empregados.
A decisão que não se deve tomar: o “como” antes do “por quê?
Toda ação, sobretudo que implique em mudanças nas organizações, deve ser precedida de uma reflexão relacionada ao problema que se deseja resolver, sua análise detida (definindo o “por quê”), que permitirá a identificação de alternativas de solução e sua implementação (o “como”).
Um enfoque simplista, superficial, para a adoção do trabalho remoto é provavelmente o maior erro a evitar, quando muitas vezes se reduz a uma decisão de quantos dias comparecer ao escritório (2, 3, 4 ou nenhum). Esta maneira de proceder, simplificando demasiado o desafio em disseminar a flexibilidade, tornando-a centro de uma estratégia pós pandemia, é arriscada. De fato, a solução vai muito além de expandir opções, usar ferramentas compartilhadas, pesquisar preferências dos empregados e comprar software. É mais fácil projetar do que efetivamente implementar.
Pesquisas mostram que à medida em que há um retorno ao trabalho presencial deve-se considerar diferenças individuais que ainda obrigam parte dos empregados a permanecer em casa devido à pandemia, como aqueles que cuidam de outros ou têm filhos menores. Em especial, nesses lares há uma maior carga de trabalho relacionada à vida de cada um envolvido, e que merecem especial atenção. Não pode haver uma discriminação, um tratamento desigual entre os diferentes grupos. Há mesmo previsões de uma maior facilidade para o crescimento profissional relacionada à presença física no local de trabalho.
A flexibilidade não pode ter como objetivo facilitar a mudança da organização para expandir rapidamente ou reduzir suas operações, levando em conta apenas interesses de empregadores e stakeholders.
Qualquer que seja a abordagem adotada, deve ser concebida e implementada de forma cuidadosa, ouvindo a todos, de forma humilde, o que lhe garante maior legitimidade.
Para muitos de nós, a pandemia afetou a vida de forma profunda, deixando marcas, sequelas duradouras e ainda não totalmente conhecidas, mas que demandam mudanças de complexidade diversa. Neste cenário, passa a ocorrer, por exemplo, um questionamento sobre o que o trabalho significa em nossas vidas.
Ainda estamos em um ambiente repleto de incertezas no curto e médio prazo, uma transição ainda sem uma maior clareza quanto ao futuro. A volta ao trabalho é uma segunda mudança, em relativamente pouco tempo, afetando rotinas recentemente adaptadas. Ou seja, com o arrefecimento da pandemia se instala a necessidade de uma nova mudança, de alguma forma também radical, para uma situação intermediária entre “o antes” e o “pós pandemia”, centrada hoje basicamente no trabalho híbrido.
Não há experiência de adoção do trabalho híbrido em larga escala que nos permita planejar adequadamente sua adoção de maneira segura, sem que se possa antecipar de forma clara seus amplos impactos e as mudanças necessárias na gestão. Organizações são sistemas de partes interconectadas que não podem ser tratadas sem levar em consideração as interdependências.
A decisão de adotar o trabalho remoto deve ser precedida de uma análise detida. O local de trabalho não é apenas um ambiente físico para desempenhar tarefas. Pelo contrário, se trata de uma peça importante na complexa “engrenagem” que compõe as organizações. Como em outros mecanismos com partes interdependentes, é necessária uma abordagem sistêmica para as mudanças. Não é possível ser “simplista” sob pena de agir de forma precipitada, com efeitos indesejáveis, de difícil reversão.
Sendo assim, é recomendável que a implantação do regime de trabalho híbrido se dê de forma cautelosa, como um MVP (minimum viable product). Ou seja, que seja precedida de uma análise do problema que leve à definição e implementação de um “protótipo” flexível, de alteração não complexa, que permita que se aprenda, corrigindo rapidamente o rumo quando necessário, tendo como foco áreas específicas das empresas onde as características sejam mais propícias. Uma vez testadas, as abordagens bem-sucedidas devem ser compartilhadas.
É necessário, por exemplo, um acompanhamento constante da logística e suporte individual (envolvendo recursos como computadores e acesso à internet) reduzindo falhas. Pelo lado da gestão, merecem especial atenção a colaboração, a liderança, o acompanhamento da performance e das condições emocionais e de saúde individuais, dentre outros aspectos.
A função do local de trabalho
O local de trabalho tem uma função que transcende a mera presença física, afetando a vida pessoal e profissional dos empregados e a gestão das empresas. Como já destacamos, o local é uma peça da “engrenagem” de gestão. Nesta, como nas outras, qualquer adaptação deve ser precedida de planejamento adequado, identificando as mudanças a fazer em outros componentes da gestão.
O contato face a face, possibilitado pela presença física, é essencial para o desenvolvimento de relações interpessoais, base para a colaboração, aprendizado, inovação e bem-estar psicológico. O local de trabalho é de extrema importância para a interação social, bem como na motivação/satisfação do empregado, na experiência deste em trabalhar.
Quando parte dos empregados trabalha fora do escritório e parte está presente, cria-se um desequilíbrio nas relações, uma maior dificuldade de comunicação, que pode beneficiar aqueles mais presentes, mais visíveis, inclusive afetando o progresso nas carreiras. Aspectos que antes eram simples, como reuniões, devem merecer atenção. Aquelas em que nem todos estão presentes fisicamente acabam por beneficiar aqueles que estão no escritório, que têm acesso a mais informação, proveniente das relações face a face. Uma abordagem que tem sido adotada para minimizar este problema é recomendar a utilização de plataforma de colaboração por todos, mesmo que presentes.
Não pode ser uma decisão tomada sem adequada reflexão prévia, que deve levar em consideração todos os envolvidos. Não se pode, de forma alguma, forçar o retorno presencial. Cabe às empresas garantir a segurança do local, sob o ponto de vista sanitário com uma visão mais ampla da saúde. O local deve ser reprojetado para o trabalho híbrido, garantindo a segurança e estimulando a colaboração e comunicação. A “experiência do empregado” deve ser o ponto de partida na definição deste novo ambiente.
Abordagem deve ser individual, participativa, humilde e empática
As relações sociais, sua qualidade, e as redes dela derivadas têm impacto na saúde e bem-estar, contribuindo para a redução do stress, provendo suporte emocional e contribuindo para um maior senso de pertencimento.
Cabe ao empregador criar o ambiente propício para a interação, o trabalho colaborativo, encorajando práticas que reforçam as relações, baseadas em confiança mútua. O trabalho é cada vez mais interdependente, mais conectado, mais baseado em times que necessitam de comunicação de qualidade, objetivos e conhecimento compartilhado, de respeito mútuo, de alinhamento e equilíbrio.
Primeiramente, deve ser analisada detalhadamente a situação individual (pessoal e profissional) a partir da escuta ativa, associada a uma postura humilde e empática. Este é o ponto de partida. Um propósito compartilhado, definido claramente, comunicado e entendido é um importante fator para atingir os resultados desejados. No trabalho híbrido, o desenvolvimento e acompanhamento das relações interpessoais tem especial relevância, com reflexos sobre a colaboração, definição de responsabilidades e avaliação de desempenho.
A liderança tem um papel de extrema importância para o sucesso. Neste novo cenário apresentam-se novos desafios ao líder, a quem cabe dar o exemplo. Pela liderança se inicia a necessária mudança nos níveis pessoal e profissional. Não se trata apenas de adquirir novos conhecimentos, mas sim de melhorar e adaptar competências ligadas ao lado humano. É preciso autoconhecimento do líder e capacidade de aprender rápido.
O papel da tecnologia
A tecnologia vem, há algum tempo, sendo um dos principais fatores, ou mesmo o principal, de mudanças no mundo dos negócios e de um modo geral na vida das pessoas. A transformação digital se destaca como um fator crítico de sucesso, impondo mudanças, dentre elas o desenvolvimento de competências específicas pelos empregados e o permanente aprendizado.
A pandemia obrigou a uma utilização mais generalizada da tecnologia, que possibilitou superar restrições impostas pelo isolamento (viabilizando o trabalho remoto, por exemplo), como a colaboração e a disseminação maior do comércio eletrônico, acelerando muito a adoção e a dependência da tecnologia. Não se trata mais de uma opção. Faz-se necessária a convivência, ou a convergência, do mundo físico e do digital, do real e do virtual.
Ao mesmo tempo que traz inúmeros benefícios, há também problemas associados. A segurança cibernética, por exemplo, ganha muito mais relevância. Na medida em que empresas e pessoas usam mais tecnologia, mais expostas a ameaças ficam, demandando ferramentas e práticas de proteção cada vez maiores e mais complexas.
Além disso, a tecnologia que substitui gradativamente o ser humano, reduz parcela dos empregos, demandando novas habilidades e conhecimentos, em um ciclo que se intensifica, sendo um desafio crescente para empresas e sobretudo para indivíduos.
Por outro lado, a maior mediação das relações pelas máquinas (hardware e software) elimina, ou reduz, o contato humano direto, face a face, de extrema importância na construção de relações interpessoais, cuja importância já foi aqui comentada. Todos se tornam mais e mais dependentes da tecnologia, e de sua correta operação em regime integral, sem falhas, o que exige investimento e atenção constante à infraestrutura.
Não há como reduzir a sua utilização. Trata-se de um imperativo do momento e do futuro. No entanto, é importante ter consciência e conhecimento dos efeitos que a adoção generalizada e a dependência que ela provoca na vida das pessoas.
Repensando o trabalho
A pandemia tornou mais relevantes questões relacionadas à saúde e bem-estar das pessoas, grupos e sociedades. Nunca, em tempos recentes, o coletivo dependeu tanto do comportamento individual, da consciência de que podemos contribuir para “o outro” de forma positiva ou negativa.
Neste contexto, é importante considerar as características individuais, diferenciadoras de pessoas, organizações e sociedades. Estas últimas são impactadas de maneira mais direta ou indireta, em aspectos como mercado de trabalho (empregos, que afetam a economia) e mesmo em pontos não tão claros como a ocupação de locais com grande concentração de escritórios, que podem ser negativamente afetados pelo trabalho remoto, ou híbrido.
Esta deveria ser uma oportunidade de melhorar as relações humanas, de valorizar os aspectos humanos em nossas vidas pessoais e profissionais, com destaque para a humildade e a empatia que em muito contribuem para o desenvolvimento saudável das relações.
Se configura, sobretudo, em uma oportunidade ímpar de reflexão por parte das lideranças, tão importantes no ambiente organizacional e social, no sentido de avaliar sua atuação e mudar o que for necessário, com o ser humano como foco.
No entanto, parece que, com o tempo e o arrefecimento da pandemia, este aprendizado está perdendo importância frente a questões “mais hard”, como estratégia e tecnologia, bem como do local físico de trabalho.
Estamos perdendo a oportunidade de repensar de uma forma ampla o trabalho e as relações associadas, no nível individual, organizacional e social, tomando por base uma maior humanização das relações, colocando as pessoas no centro e em primeiro lugar. A discussão vai muito além de flexibilizar o trabalho. Devemos focar na transição do home office para o Anywhere Office e o que essa nova visão de gestão pode nos trazer.
Apenas assim estaremos melhor preparados para as mudanças mais frequentes e complexas que nos esperam, aumentando a chance de sucesso na direção de uma vida melhor, para todos.