Em março foi ao ar um novo produto da Dynamica: a newsletter Insights Dynamica com curadoria de Alberto Wajzenberg.
Todo mês, um tema atual é abordado. Neste mês, o assunto é Transformação Digital – Uma Jornada. E para que tanta informação interessante não se perca, resolvemos transformá-la em texto para o nosso blog.
Esperamos que você leia, curta e compartilhe. Afinal de contas, a equipe da Dynamica, em conjunto com a diretora Lyrian Faria, trabalha com muito carinho em todo o conteúdo disponível em nossas redes sociais.
Já há algum tempo a tecnologia da informação vem se fazendo mais presente em nossas vidas pessoais e profissionais. O sucesso de pessoas e empresas passa a depender cada vez mais de tecnologia. Novos modelos de negócio surgem. Outros se adaptam ou desaparecem. Muda a maneira das pessoas se comunicarem e colaborarem. Questões que já eram importantes como aquelas relativas ao desenvolvimento e atração de talentos, bem como à segurança cibernética, dentre outras, passam a merecer cada vez mais atenção. A pandemia acelerou todo o processo, que hoje caminha em uma velocidade sem precedentes, provocando mudanças de toda ordem, complexas, imprevistas e ainda não bem compreendidas. Hoje enfrentamos problemas que até pouco tempo atrás não pareciam ter maior relevância, como os problemas nas cadeias de suprimento, especialmente de chips.
O trabalho e a vida pessoal são profundamente afetados e, de alguma forma, a própria natureza das pessoas (seu comportamento, suas crenças, suas emoções), em função da disseminação das redes sociais, por exemplo. Há um enorme crescimento do uso da tecnologia, alavancado pela penetração de smartphones e outros dispositivos, por populações propensas a usar tecnologia de diversas maneiras (compras, diversão, interação social, atividades bancárias, dentre outras). Os desafios são inúmeros, complexos, variando entre os setores de atividade.
O termo “tecnologia da informação”, base do que se denomina mais recentemente “transformação digital”, surgiu em um artigo de Leavitt e Whisler (publicado na Harvard Business Review, em 1958, denominado “Management in the 1980´s”), onde os autores se referiam a uma tecnologia nova à época, tão nova que, segundo os autores, era difícil avaliar o seu significado : “enquanto muitos aspectos desta tecnologia são incertos, parece claro que ela entrará na cena gerencial rapidamente, com um impacto definido e de longo alcance na organização gerencial”. (…) “A utilização da tecnologia se espalhará rapidamente. A maior disponibilização de informação e de forma mais rápida trará benefícios para as organizações”.
Os autores destacam ainda que “A distância temporal entre a descoberta de novos conhecimentos e sua aplicação prática vem encolhendo rapidamente, talvez a uma taxa geométrica. A pressão para se reorganizar para lidar com o mundo complicado e em alta velocidade deve se tornar muito grande na próxima década. Improvisações e “ajustes” nos quadros organizacionais atuais provavelmente se mostrarão bastante inadequados; repensar radicalmente ideias organizacionais é de se esperar”.
Quase 30 anos depois, em 1985, Shoshana Zuboff (Professora de Comportamento Organizacional e Administração de Recursos Humanos na Universidade de Harvard) publicou artigo denominado: “Automate/Informate: the two faces of inteligent technology” (Organizational Dynamics, Autumn, 1985), onde a autora trata do papel da tecnologia da informação na mudança do trabalho, destacando que o investimento inicial na tecnologia é motivado pelo objetivo de acelerar as operações e reduzir custos. Na medida em que seu uso se dissemina, segundo a autora, os gerentes percebem que podem aproveitar a tecnologia para atingir objetivos mais amplos, de caráter estratégico, como maior integração, velocidade de resposta, controle, maior precisão, acurácia e previsibilidade, bem como maior compreensão (visibilidade, análise e síntese) das funções produtivas.
Zuboff propõe o que denomina de “caráter dual da tecnologia”: automatizar (automate) operações (substituindo trabalho humano) e criar informação, a partir da automação (informate). Em particular, a autora destaca a característica diferenciadora da tecnologia da informação. Caberia então a cada organização escolher como usar a tecnologia, dando maior ou menor ênfase a automatizar e/ou informatizar, o que seria uma questão de decisão estratégica, de uma opção gerencial.
Neste ponto, chama a atenção como trabalhos tão antigos (1958 e 1985) conseguiram ser tão precisos em suas avaliações e previsões, baseados em uma tecnologia (da informação) que ainda estava em seus estágios iniciais à época, sobretudo se comparado com o que temos hoje disponível, com os inúmeros e acelerados avanços que ocorreram e continuam ocorrendo. Os destaques de ambos, que merecem leitura atenta, são uma oportunidade única de aprendizado com a experiência passada. Não são os únicos.
Com o passar do tempo, desde a sua primeira definição, até o presente momento, o termo tecnologia da informação foi empregado de diferentes formas pelos trabalhos que tratam do assunto, em função do avanço da tecnologia.
O avanço em poder de processamento, em armazenamento e telecomunicações amplia em muito as possibilidades de uso da tecnologia. Hoje já se fala em tecnologias exponenciais, em deep tech e na convergência entre tecnologias (quando o uso de uma tecnologia amplifica o de outra, quando interagem, são usadas conjuntamente ) que gera novos modelos de negócios (como aponta Peter Diamandis), demonstrando a cada vez mais rápida evolução, associada a mudanças mais profundas, abrangentes e complexas. Segundo a Bain, “Uma estratégia digital vencedora equilibra as necessidades de hoje com as oportunidades de amanhã”.
As dimensões da digitalização
Para que possamos entender melhor o que hoje genericamente se denomina “digitalização”, base da transformação digital, faz-se necessária uma análise mais detida do que denominaremos “dimensões da digitalização”, partindo e estendendo a classificação proposta por Zuboff (automatizar e informatizar), procurando adaptá-la às características e oportunidades de uso, considerando as múltiplas potencialidades e aplicações da tecnologia hoje existentes. Esta proposta procura ampliar a perspectiva de Zuboff, sem pretender ser completa, dada a complexidade da tecnologia. Em nossa perspectiva, são 6 as dimensões de destaque: automatizar, informatizar, conectar, orquestrar, integrar e convergir.
- automatizar: capacidade da tecnologia de substituir trabalho humano, basicamente tarefas de caráter transacional sem grande necessidade de especialização/ conhecimento, com ganhos de eficiência principalmente. É o estágio inicial da utilização. Os sistemas de informação (ERP, dentre outros) e os robôs (mais recentemente) são alguns dos exemplos.
- informatizar: a partir do uso da tecnologia (da automação) gerar, armazenar e analisar/tratar informação em todos os níveis, suportando a tomada de decisão, o trabalho ligado ao conhecimento. Sobretudo em um cenário de grande desenvolvimento em áreas como inteligência artificial, machine learning e análise de dados, esta dimensão surge como uma das mais importantes atualmente para produzir resultados de maior valor.
- conectar: tomando por base os avanços em tecnologias de comunicação e também em software, são afetados positivamente a comunicação e a colaboração afetando pessoas e empresas, agilizando a troca de informações e também de experiências, facilitando o aprendizado. As redes sociais são um exemplo que ultrapassa as fronteiras empresariais. Esta dimensão vem acrescentar mais e mais possibilidades de uso para a tecnologia.
- orquestrar: trata-se de uma consequência das 3 anteriores, na medida em que se automatizam tarefas, geram-se informações e se compartilham, podem ser interligados processos que chegam a atravessar fronteiras empresariais, suportando ecossistemas, marketplaces e cadeias de suprimento, possibilitando a formação de parcerias de colaboração interempresarial e com indivíduos ou grupos, fomentando a inovação.
- interagir: esta é a dimensão da tecnologia diretamente relacionada à interface com seu usuário final, que depende de equipamentos (smartphones, por exemplo) e sobretudo de software, que será o grande responsável pela qualidade e facilidade de uso das soluções a serem utilizadas. É a base para o que se usa chamar de “experiência do usuário” (cliente ou empregado).
- convergir: esta dimensão retrata o potencial de uso combinado das diversas tecnologias para obter resultados. De fato, a experiência mostra que, dado o avanço em diversas áreas, torna-se um diferencial para atingir os objetivos implementar soluções que combinem as tecnologias disponíveis, implementando a sua utilização integrada conforme o problema que se deseja resolver. É a dimensão que demanda mais especialização e provavelmente a mais complexa, mas possivelmente a que mais poderá agregar valor. Não basta entender o efeito de cada tecnologia individualmente, mas sim de suas interações, de seu uso conjunto (conforme destaca trabalho da Deloitte sobre o tema).
O sucesso na utilização da tecnologia dependerá do entendimento das características de cada dimensão acima, do que podem agregar de valor, de seus requisitos (técnicos e sobretudo humanos) e dos objetivos que se pretende atingir. De como, cada problema (ou oportunidade) que se pretende tratar pode ser solucionado a partir da utilização de tecnologia, associada a outras ações organizacionais (melhorias em processos e desenvolvimento de talentos, por exemplo).
A transformação para atingir os resultados
Quando a transformação digital se torna um objetivo, basicamente se pretende promover mudanças mais profundas a partir da tecnologia, criando novos produtos e/ou serviços, e mesmo novos modelos de negócio. O foco é basicamente o consumidor (ou cliente), no que se usa denominar “customer centricity”, que depende da experiência deste consumidor. Segundo a Mckinsey, para melhorar a experiência do consumidor as empresas devem desenvolver as capacidades organizacionais certas e uma cultura para planejar, executar e sustentar a transformação.
Em artigo, a universidade de Harvard compara a transformação digital a uma jornada sem fim, destacando que a tecnologia é um driver da mudança por que passa o mundo. Ainda segundo o referido artigo, as organizações maduras digitalmente têm a expertise técnica correta, as ferramentas e as plataformas computacionais (infraestrutura e operações). Estas organizações têm também um “challenge mindset”, encorajando a mudança e a inovação entre seus empregados, que têm autonomia e são empoderados. Neste ambiente aqueles que têm sucesso são curiosos e criativos, confortáveis em admitir o que não sabem e aprendem de forma permanente, experimentando sempre. Também é destacado o processo decisório ético e as práticas de governança para a maturidade digital.
Já em outro artigo, da Harvard Business Working Knowledge (HBS), denominado “Digital Transformation : A New Road Map for Success” (fevereiro de 2022)”, são apontados 7 princípios para a transformação digital em qualquer estágio : reconhecer o lado emocional da transformação digital, alinhar em torno da narrativa “customer centric”, construir uma cultura baseada em dados a partir do “upskilling” dos talentos, gerenciar a dinâmica de poder que vem com os dados, projetar para a resolução de problemas ágil de forma inclusiva, encorajar uma perspectiva de “fora para dentro” de ecossistema colaborativo, salvaguardar ética e adotar uma perspectiva proativa de governança e compliance.”
Um caminho possível
A transformação a partir da tecnologia tem características muito diversas, que demandam uma análise mais profunda para sua compreensão. Varia desde mudanças localizadas em processos até a transformação de modelos de negócio, esta última a mais complexa e também a que potencialmente traz mais valor para a organização. Para serem bem sucedidas, as organizações devem entender e tratar os seguintes fatores principais:
1. Problema ou oportunidade de negócio/objetivo
Toda iniciativa deve (ou deveria) partir de um diagnóstico, de uma análise prévia, onde se identificam oportunidades para atuação da organização, resolvendo problemas (internos, mas sobretudo de seus clientes) e com isto obtendo sucesso em seus negócios. Para tanto, a tecnologia é cada vez mais uma ferramenta que viabiliza iniciativas, com diferentes graus de inovação.
Surge aqui o primeiro desafio: como atingir os objetivos (que podem ser das mais simples até a alteração ou criação de novos modelos de negócio) usando as tecnologias disponíveis. Para tanto é necessário um entendimento da área de negócio das tecnologias existentes e de como o seu uso pode contribuir para os objetivos de negócio. Em um cenário de tecnologias cada vez mais complexas (e portanto que exigem maior especialização para entender e usar), esta é uma tarefa difícil, porém essencial.
Muito se destaca hoje que todos devem saber usar tecnologia (de planilhas e editores de texto, até tecnologias mais complexas, passando pelas redes sociais), no que se denomina digital literacy. Isto de fato contribui. Mas não é suficiente. Um aspecto a superar é o caráter abstrato da tecnologia, que não é uma característica nova. De fato, para realmente entender o que é uma tecnologia específica (Iot, blockchain, NFT, metaverso e tantas outras) e sobretudo sua potencialidade, é necessário usá-la, testá-la, ainda que de forma limitada e, quando possível, conhecer experiências práticas de uso, reduzindo este caráter abstrato e a incerteza associada. Isto vale para os profissionais de negócios, mas também (ainda que em menor escala) para os especialistas em tecnologia.
Pelo lado dos profissionais de tecnologia o maior entendimento do negócio é fundamental. Trata-se de tarefa difícil seja pelo perfil destes profissionais (muitas vezes mais voltados a questões técnicas), pelas necessidades do dia a dia (que consomem o tempo destes profissionais com as questões técnicas e também com o próprio aprendizado para se manter atualizado com o avanço tecnológico), pelo conhecimento deficiente do negócio em si e também pela dificuldade natural de acompanhar sua dinâmica, não estando o profissional inserido nas atividades diárias das áreas de negócio.
Outro ponto importante a destacar é que deve estar claro o problema que se deseja tratar. É um erro muito comum subestimar a etapa de identificação e análise do problema/oportunidade, apressando a implementação de possíveis soluções. Na maioria das vezes, seguindo esta abordagem, se projetarão soluções que não atendem os objetivos e geram novos problemas na sua utilização. A tecnologia é parte importante da solução, mas sozinha não produzirá o resultado desejado.
Por outro lado, é importante entender que mudanças ou transformações podem e devem ser realizadas em estágios / ondas, sobretudo as mais complexas. Ou seja, nem sempre, dependendo do caso, os ganhos estão necessariamente ligados a mudanças profundas ou inovações ditas disruptivas. Mudanças menos complexas, até incrementais, podem produzir valor, permitir testar soluções (produtos e serviços) e gerar o aprendizado necessário para as iniciativas mais complexas e de maior valor gerado.
2. A criação e manutenção das capacidades organizacionais
Um aspecto decisivo para o sucesso da transformação é a consciência de que as organizações têm natureza sistêmica, ou seja, de forma simplificada, são sistemas compostos por partes interdependentes que atuam conjuntamente para produzir resultados em um ambiente que exerce influência (e que a organização influencia). Desta forma, ao se planejar uma transformação, cada um dos elementos deste sistema deve ser objeto de atenção. Alinhamento e coerência devem guiar a mudança desejada. Neste contexto, estratégia, estrutura, processos, cultura, finanças e outras dimensões devem ser estudadas e adaptadas de modo a contribuir para os resultados.
O caso da IKEA confirma algumas destas afirmações : “Em discussão com nosso CEO, percebemos progressivamente que uma transformação digital significaria mudar profundamente a forma como a IKEA opera. Mas com um forte princípio norteador. Toda mudança digital era para ser fiel aos valores e à missão da IKEA. Assim, o objetivo não era projetar uma transformação digital “do lado” do core business, mas seguir verdadeiramente os princípios fundamentais da empresa”. Para ter sucesso, a transformação digital não pode ser guiada pela tecnologia, mas sim pelos objetivos de negócio, que incluem empregados, clientes e a própria sociedade (considerando aspectos de sustentabilidade, por exemplo ).
O maior destaque, sem dúvida, é para o ser humano, empregados ou clientes. Nesse contexto, a liderança tem papel fundamental. Aspectos como desenvolvimento e atração de talentos, experiência do cliente e novos métodos de trabalho, dentre muitos outros, devem merecer atenção. Sob o ponto de vista das pessoas e principalmente da liderança são requeridas competências como: adaptabilidade, curiosidade, flexibilidade e capacidade de lidar com ambiguidade, dentre tantas outras. Da mesma maneira que as empresas precisam mudar para crescer e se adequar às demandas do novo ambiente de negócios, os líderes também precisam se transformar, como aponta uma pesquisa da Universidade de Harvard.
Conforme relatório da Deloitte o sucesso depende da integração coordenada de ativos e capacidades (capabilities), no que se denomina “digital pivots” : infraestrutura segura e flexível, data mastery, competências e talentos digitais, engajamento em ecossistemas, workflows inteligentes, experiência do consumidor unificada, adaptabilidade do modelo de negócio.
A infraestrutura tecnológica segura, robusta, flexível e confiável, associada a uma operação eficiente desta infraestrutura é fundamental para o sucesso. A isto se associa também um processo de desenvolvimento de software moderno que viabilize a construção de soluções, atendendo às necessidades.
3. Capacidade de execução
Não basta ter idéias, identificar oportunidades. É essencial a capacidade de colocar em prática o que se almeja. A isto chamamos capacidade de execução. Depende de criar e manter as capacidades organizacionais, mas também de conhecer e saber utilizar de forma efetiva métodos e técnicas diversas que permitem atingir objetivos com maior chance de sucesso. Métodos de gerenciamento de projetos (tradicionais, híbridos ou ágeis), design thinking, design sprint, dentre outros, são exemplos. Também se incluem aqueles focados na gestão da mudança organizacional (como o Lean Change Management, por exemplo) e os relacionados à melhoria de processos (como Lean e Six Sigma).
Um aspecto importante que deve merecer atenção é o legado (ou seja, basicamente os processos e a tecnologia já existentes) que, com a transformação pretendida, sofrerão mudanças/alterações de diferentes níveis e complexidade, introduzindo uma dificuldade adicional, uma vez que estas alterações no que já existe, usualmente, não são simples e demandam tempo e recursos. Considerar este esforço o mais cedo possível e gerenciá-lo corretamente são fatores de sucesso da transformação.
4. Inovação e aprendizado contínuo
A inovação está no cerne da transformação digital. Para que sejam bem sucedidas, as organizações devem criar as condições para inovar (estimular a experimentação, não punir o erro, definir processos para governar e promover a inovação, usar técnicas específicas, promover uma cultura de inovação enfim). A implantação do que se denomina veículos de inovação é importante, com destaque para a colaboração com parceiros, sobretudo startups.
O foco no aprendizado contínuo, na busca incessante pela melhoria, permite que se façam rapidamente as correções necessárias de rumo, seja nas operações corriqueiras, seja naquelas resultantes da inovação. Não se trata de usar técnicas somente, mas de implantar um efetivo mindset de inovação, de aprendizado e melhoria.
5. Os “efeitos colaterais”
Na medida em que a tecnologia evolui e é cada vez mais utilizada, ganham maior relevância os problemas associados, alguns já existentes (e que se agravam), outros novos e possivelmente alguns que não se pode prever no momento, exigindo uma abordagem que não trate a tecnologia como uma solução isenta de problemas, capaz de resolver qualquer desafio individual, organizacional ou social.
Neste ponto vale a pena destacar que, sobretudo com o avanço da tecnologia, alguns problemas já existentes se intensificam e outros novos surgem. A concepção de soluções com utilização de tecnologia deve levar em conta seus benefícios, mas também os problemas que podem surgir em áreas como privacidade e segurança da informação, por exemplo. Além disso, também é necessário considerar que aumenta a dependência da tecnologia para a condução das atividades e com isso as consequências de falhas (vide por exemplo casos recentes de interrupções de operação em portais de comércio eletrônico, com grande prejuízo para as empresas). Há também questões ligadas à ética que vem ganhando destaque, sobretudo pelo avanço da inteligência artificial.
Além disso, quando se usa tecnologia para substituir contato humano, entre pessoas, são afetadas as relações interpessoais. Este ponto deve merecer especial atenção, para definir um equilíbrio entre o “virtual” (ou seja, mediado pela tecnologia) e o “real” (definido pelo contato direto entre pessoas, sem a mediação de tecnologia). Daí se estabelecerão as fronteiras do físico/digital.
E o futuro?
Tratar de transformação e de tecnologia, como já destacamos, passa necessariamente por analisar a situação atual, estabelecer diagnósticos e antecipar cenários, não se restringindo à tecnologia. As previsões de futuro e as análises de tendências são importantes neste contexto. A maioria, provavelmente, não se concretizará. No entanto, como revelam os trabalhos de Leavit & Whisler e de Zuboff, publicados há muito tempo atrás, é muito útil conhecer os trabalhos que procuram antecipar tendências e o futuro.
São muitas as publicações disponíveis que tratam destes temas. Não há espaço aqui para discutirmos algo tão complexo em maior profundidade. No entanto, vale a pena destacar alguns trabalhos, como oportunidades adicionais de reflexão. Há farto material de acesso público e de qualidade, disponível na INTERNET.
Segundo Amy Webb, do Future Today Institute, no recente e muito interessante relatório “Tech Trends ( 2022 )” : “Reconhecemos a tecnologia não como uma fonte isolada de mudança macro, mas sim como o tecido conjuntivo que liga negócios, governo e sociedade. Por essa razão, buscamos sempre desenvolvimentos tecnológicos emergentes, bem como sinais tecnológicos dentro das outras fontes de mudança.”
Ainda segundo a autora, no mesmo relatório: “As tendências nos convidam a considerar resultados alternativos daqueles que imaginamos anteriormente. Elas também desbloqueiam algo inestimável em cada um de nós: a capacidade de perceber a realidade de forma diferente (“reperceber”). O ato de “percepção” desperta você para a possibilidade de um futuro que difere de suas expectativas atuais. (…) “Agora, mais do que nunca, sua organização deve examinar o potencial impacto a curto e longo prazo das tendências tecnológicas.” (…) “Para qualquer incerteza sobre o futuro — seja risco, oportunidade ou crescimento — é melhor pensar no curto e longo prazo simultaneamente”. “Se você não estiver articulando simultaneamente sua visão e transformação, outra organização irá arrastá-lo para sua versão do futuro.” A autora destaca ainda que devemos “pensar exponencialmente”, mas agir “incrementalmente”.
Em artigo sobre o futuro da evolução, produzido pela Singularity HUB, se afirma que: “É difícil prever o futuro. O mundo provavelmente mudará de maneiras que não podemos imaginar. Mas podemos fazer suposições. Paradoxalmente, a melhor maneira de prever o futuro é provavelmente olhar para o passado, e assumir que as tendências passadas continuarão a seguir em frente. Isso sugere algumas coisas surpreendentes sobre o nosso futuro.”
O mesmo artigo destaca ainda que: “Os computadores também fornecem uma pressão seletiva totalmente nova. À medida que mais e mais atividades são feitas em smartphones, estamos delegando decisões sobre como a próxima geração se parecerá aos algoritmos de computador que recomendam nossos potenciais matchs. O código digital agora ajuda a escolher qual código genético é passado para as gerações futuras, assim como ele molda o que você transmite ou compra online. Pode parecer ficção científica sombria, mas já está acontecendo. Nossos genes estão sendo analisados por computador, assim como nossas listas de reprodução. É difícil saber onde isso leva, mas eu me pergunto se é inteiramente sábio entregar o futuro de nossa espécie para iPhones, internet e as empresas por trás deles.”
Fato é que vivemos em um mundo cada vez mais complexo, repleto de incertezas e de desafios. O que levava anos para acontecer, ou o que pensávamos se tratar de ficção científica, é agora uma realidade.
No que tange especificamente à tecnologia, vemos um crescente avanço do mundo virtual (mediado pela máquina e dirigido pelo software) sobre nossas vidas, muitas vezes sacrificando as relações humanas, tão importantes para nosso desenvolvimento como pessoas e pela satisfação ( ou felicidade ) de cada um. A discussão físico/digital, dos limites entre ambos, está muito presente no mundo empresarial hoje, visto que influencia muito o sucesso. No entanto este equilíbrio físico / digital ou melhor real / virtual não parece ser objeto de uma reflexão mais profunda de forma disseminada que permita à sociedade entender com mais clareza benefícios e problemas associados e, a partir, deste conhecimento ( e da experiência ) criar um ambiente (regrado) em que a tecnologia seja instrumento para o bem comum, levando em conta aspectos como ética, integridade e responsabilidade social, por exemplo. Os problemas que vem crescendo relacionados ao uso da tecnologia, como aqueles ligados à segurança cibernética e à privacidade, só vêm reforçar esta necessidade. Não há espaço para uma visão reducionista, excessivamente focada em tecnologia.
A reflexão profunda e de natureza multidisciplinar e ampla devem prevalecer. O ser humano é o principal afetado e portanto deve ser o centro desta reflexão. Um possível ponto de partida é apresentado pelo Center for Humane Technology que propõe princípios para o projeto, desenvolvimento e distribuição : respeitar a natureza humana, minimizar as consequências negativas, centrar em valores (humanos), usar a tecnologia para aumentar a compreensão comum de como resolver problemas, suportar justiça e equidade (fairness and justice) e ajudar as pessoas a se desenvolverem.